Corretores ensinam como ‘desmatar’ áreas da Serra da Cantareira, em SP
Floresta urbana de Mata Atlântica some aos poucos.
Devastação ao redor do parque chega a 59 estádios do Maracanã.
Uma das últimas florestas urbanas de Mata Atlântica de São Paulo está desaparecendo aos poucos, árvore por árvore. Corretores estão vendendo os terrenos na região da Serra da Cantareira e ainda ensinando como desmatar.
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Os ambientalistas chamam o fenômeno de efeito formiga: a mata vai desaparecendo aos poucos, em pequenos focos que o satélite não consegue enxergar. “O levantamento que é realizado hoje pela SOS Mata Atlântica, pelo Inpe, identifica áreas acima de três hectares. Geralmente para esse tipo de ocupação a supressão da floresta é de um, 1,5 de hectare”, afirma a diretora da ONG SOS Mata Atlântica, Márcia Hirota.
A mata protegida pelo Parque Estadual da Serra da Cantareira se estende por quatro municípios. O problema é o que está acontecendo em um raio de 10 km em torno do parque.
No último estudo, os ambientalistas constataram que a devastação ao redor do parque foi de cerca de 52 hectares, um volume 14 vezes maior do que no período de 2005 a 2008. É como se a vegetação fosse destruída em uma área equivalente a 59 estádios do Maracanã.
Mairiporã
Quase metade de todo o desmatamento foi registrado, no município de Mairiporã, na Grande São Paulo.
Parte da devastação é atribuída à construção de condomínios e à instalação grandes de bufês em sítios. “Quando o poder público chega, o desmatamento já aconteceu, a floresta já foi suprimida e não tem mais o que fazer”, explica Márcia.
Um produtor fingiu interesse em um terreno para montar um bufê em Mairiporã. Por lei, só se pode mexer no lote depois da avaliação oficial sobre o que pode ou não ser derrubado. Mas a corretora de imóveis diz que existe “um outro jeito”.
Veja a conversa:
Produtor: “Pode tirar essas árvores todas?”
Corretora: “Não, isso aqui você tem que tirar. Quem comprar já contrata uma pessoa. A gente mesmo indica, e tira. Se você for esperar a aprovação, não tira nunca.Tem um senhor que a gente contrata. Ele vai tirando um pouco por dia, um pouquinho”.
Produtor: “Sem perceber, né?”
Corretora: “É, sem perceber. Um pouco por dia aqui, um pouco por semana”.
Produtor: “Para não chamar a atenção?”
Corretora: “É, não pode, porque vai pagar multa mesmo. Aqui é manancial, sabe?”.
É uma preocupação a mais: a retirada da mata pode comprometer as nascentes que ajudam a encher a maior represa de São Paulo.
Caieiras
Um outro ponto da serra, em Caieiras, é motivo de disputa judicial por causa de um conjunto de prédios ocupado pelos Arautos do Evangelho, grupo ligado à Igreja Católica. Quatro anos atrás, a área era coberta de mata nativa e ficou destruída. Foram derrubados mais de 13 mil metros quadrados de floresta.
Segundo o Ministério Público (MP), foi desmatamento ilegal em topo de morro, área de preservação permanente. “Não é possível à construção de qualquer imóvel que não seja de utilidade pública ou interesse social nessas áreas de preservação permanente”, afirma a promotora de justiça, Cristina Freitas.
Agora, uma liminar impede a continuação das obras, que só começaram graças a licenças estaduais e municipais. “O que se pede realmente é o reconhecimento da ilegalidade das licenças, com a sua consequente anulação. A partir daí a demolição do templo, com a recuperação da vegetação ao seu estado anterior”, explica a promotora de justiça, Ana Paola Ambra.
Os Arautos do Evangelho não se manifestaram. A propriedade deles é uma entre centenas no meio da Mata Atlântica, a floresta que cobria todo o litoral brasileiro, antes de começar a ser vista como um estorvo.